domingo, 9 de agosto de 2009

Entrevista com Nego Moçambique


Entrevistamos Marcelo Martins, brasiliense que se destacou internacionalmente sob a alcunha de Nego Moçambique. Lançou um álbum e se tornou um artista conhecido por encher casas, principalmente em Brasília. Nego Moçambique se apresentará pela primeira vez no 5uinto, nessa quinta-feira, dia 13. Confira aqui um pouco sobre seu passado, o que ele pensa sobre música, produção, hypes, Brasília e tecnologia.

1. Nego Moçambique é o último projeto de um cara que há muito tempo gosta de música eletrônica e produz usando samples, loops e vocais. Antes disso você teve um projeto chamado Superchocoboy, ou algo do tipo. E antes ainda, uma banda chamada Oz, na qual era vocalista. Conte-nos quando e como a música eletrônica começou a fazer parte da sua produção musical.

(Risos) Não se esqueça do Ten Ko e do Radiola-Man... Isso foi antes do Superchocoboy. A eletrônica, sei lá, sempre fez parte da produção musical pois já nascemos num mundo onde existia acid house, industrial, dub, dancehall, breakbeats freestyle, miami bass, rap, reaggae... Poxa, já tinha Kraftwerk, Afrika Bambaata! Mesmo o rock, não passava incólume no meio de tudo isso. Quando eu era criança, eu era mais digamos, eletroacústico... gravava umas coisas em fita cassete usando gravadores estéreo... Tínhamos duas pistas... Andava na rua com um gravador desses de tape, bem grande, Philips... Ligava e ficava gravando os sons da rua. Na Escola de Música de Brasília mesmo, mostravam muito música maluca/eletroacústica pras crianças. Falavam do Jorge Antunes, etc. Então, sei lá, a gente vai mudando de "suporte" né, como se diz aí em artes plásticas... Você pode fazer música com pedaços de madeira, por exemplo... ou com o Ableton Live.

2. A sua produção (como Nego Moçambique) é visivelmente influenciada pelo funk, house e electro-funk. O que mudou do primeiro álbum (2004) pra cá?

Sei lá! Andei vivendo muito, perdendo muito, reformulando muito. Realmente por um tempo, parecia que eu nem iria mexer mais com música. Mas, nessa fase, fiquei fazendo uns remixes pra tocar em boate, já que o povo me transformou em DJ. Beleza, então eu sou DJ. E eu também comecei a ouvir demais o povo do Confronto Sound System tocando. "Poxa, mas aí sim, esses malucos estão misturando tudo...".

E comecei a viajar bastante pela América Latina... México, Chile, Argentina, Colômbia... esses países e os artistas/pessoas que conheci, suas histórias, música, língua... isso tem me influenciado muito.

Não só isso, fiquei menos eurocentrista porque, se há uma similaridade nas Américas é o sonho de Berlin, Nova York, Londres... Nada contra mas, eu percebi que muitas, muitas novidades artísticas brotam pelo continente o tempo todo. Especialmente nas ruas, nas festas populares aonde o povo se apodera da tecnologia e começa a produzir uma música que tem a ver com seu cotidiano. Vi muita coisa quente por aí, nesse sentido. Eu comecei a achar os hypes muito esquizofrênicos viajando por aí... minimal, maximal... nada contra, em absoluto, mas eu sentia que eu queria fazer uma música cuja batida fosse forte para as pessoas daqui, do Brasil, das Américas. Não há nada político nisso. É por pura farra! Como uma pesquisa divertida!

Também voltei a ouvir muito funk carioca, entender que formato essa música vem tomando, quais samples estão usando... entender como em alguns casos, o vocal dos caras do funk pode ser tão preciso e mântrico, como conseguem ser "dance" em português do Brasil. Os funks legais pra mim, nunca são os que estão na moda, berrando por aí nos carros. Tem umas coisas incríveis, experimentais (risos), você tem que dar uma escavada. Tem essa coisa do Brega lá no norte do Brasil, que é um fenômeno. Tem a Champeta, o Kuduro, a Cúmbia... Tem música de doido que não acaba mais. E você pode misturar as coisas ainda... pode ouvir e fazer sua versão...

Enfim, nada demais. Só passatempo.

3. A Akai MPC é um sampler utilizado desde os anos 80 por toda a cultura hip-hop. Mesmo com o surgimento de softwares como Ableton Live, que aperfeiçoaram essa tecnologia, há quem diga que não abre mão da Akai, principalmente pelo som ser bem característico. Você utilizava, ou utiliza esse sampler, certo? Atualmente como você lida com toda essa nova tecnologia?

Tem muita gente que não larga, não só pelo som, mas pelo sequencer também que é simples, intuitivo, fácil como um brinquedo, com um "grid" humanizado... não é uma máquina dura, entende? É por isso que o povo gosta (risos). Eu acho toda tecnologia legal. Controllers, etc... Mas aí, cada um vê o que quer de cada coisa.

Veja o Atom TM (Uwe Schmidt , Senor Coconut etc)... ele usa MPCs 3000 e tem umas Linn Drums. E faz essas máquinas reagirem como se fossem “humanas", aquela velha piada alemã do Meinsch-Maschine. O que não dá pra discutir, é a facilidade que se tem hoje de ter um estúdio virtual em casa. Creio que todo mundo saiu ganhando com essa praticidade.

4. Já li em alguma entrevista, ou release seu, você dizendo que funciona como uma espécie de “antena”, que capta e reproduz algo na hora de produzir. Faz sentido, sinceramente! Na hora de produzir, você faz algum esforço para se desapegar dos problemas externos, deixando sua mente única e exclusivamente dedicada à música, ou os problemas externos te inspiram na hora de produzir? Como você se prepara para isso?

Nessa época eu estava com um fluxo de idéias tão natural que parecia isso mesmo, uma antena. Mas eu acho que sem dúvida, todas as coisas da vida são uma fonte de inspriração inesgotável. Não me preparo pra nada... eu preparo os timbres, os sons...se isso está bem feito, é só deixar fluir. É como misturar bem as tintas antes de pintar.

5. Quem já viu Nego Moçambique ao vivo, sabe que é um mix de música, dança e vocais. Já disseram que você era B-boy, confere? Quais as diferenças ao seu ver entre aquele artista introspectivo, que sobe no palco e timidamente toca sua música, daquele que busca juntar a música a toda uma performance, interagindo com o público?

Bom, eu nunca fui b-boy... Essa é uma confusão jornalística. Eu era admirador do breakdance, como esporte, como dança. Ser B-Boy é outra coisa.

Introspecção é algo relativo e pode ter muitas facetas. O que acontece comigo é natural, uma vez que canto e os beats são quentes então, termino dançando. Mas se eu não estiver concentrado, posso ficar estático, morrendo de vergonha, por exemplo.

Mas, respondendo a sua pergunta, eu gosto muito quando o cara está concentrado nos equipamentos, mandando aquela pancada. A imobilidade me interessa sempre, em vários sentidos, para vida e para arte... A “não-reação”, a ausência de julgamentos...

Já viu algum show do Uwe mesmo? Do Atom TM? O cara não se move. Mas as máquinas dizem o que ele quer falar...

6. Em 2004 você se apresentou no Sónar, em Barcelona, um dos eventos mais importantes em toda cultura eletrônica. Se você ainda se lembrar (risos), como foi essa apresentação? E depois disso, o que mais importante aconteceu em sua carreira?

Foi inesquecível, o que mais posso dizer? Foi a primeira vez que fui tocar fora do Brasil, achei que eles iriam odiar... Tava começando a onda funk fora do Brasil... Fui tocar com o Marlboro e com o Instituto de São Paulo... Um era o prórpio funk carioca... os outros eram uma banda grande, com muita influência de música brasielira, com samba e tudo... Quando vi as apresentações dos dois pensei: "Nossa, to ferrado!". Mas a real é que rolou super bem... Lembro de três meninas de Londres, na saída do Sonar, perto dos camarins... o Jeff Mills chegando e tal...e as meninas lá, uma, sem a unha do dedão do pé, me disse: "Está vendo, a culpa foi sua!”. “Ela perdeu a unha no seu show, de tanto dançar!" riam. "Quando você vai tocar em Londres?". Comecei a ver, como era minha música pelo Mundo. E é claro, há noites e noites... o Sónar é um lugar aonde dificilmente algum show pode dar errado.

7. Pra finalizar, como você vê a produção musical em Brasília e o que o público pode esperar de sua apresentação no 5uinto?

Espero que o povo do 5uinto goste, só isso! Agora, Brasília tá pegando fogo....tem de tudo hoje em dia e já deixou de ser a capital do rock faz tempo... É a capital de todos os estilos...

Ah! Isn’t & The Six...Eu bato nessa tecla mas, graças aos céus, a coisa eletrônica em Brasília começou com esses sujeitos... É por isso que tem lugar hoje em dia pro 5uinto e pro Confronto Sound System, por exemplo.

Não posso deixar de falar do Tomas Seferin, Toni Robalo ou sei lá que nome que esse cara usa, mas agora, ele deve ser o melhor produtor de Brasília, tem um trabalho muito bom, de linguagem própria, toca em vários projetos... O cérebro dele junta qualidades artísticas e científicas... Sou um grande admirador dele... Deveria estar rico, nadando em dinheiro! Por favor Tomás, não faça concurso público!

3 comentários:

Mô filia disse...

Rá! Que bacana e ótimas respostas Nego!!! Ainda bem que não desistiu da música! As pessoas que curte seu trabalho no mundo da música como eu agradece ; ] Era bem legal a época das fitas cassetes...
Admirei a entrevista ; ] sucesso com alegria e talento!!

Keyler O. disse...

amanhã! ;)

The Miguelitos (que jaz Jisko Kid) disse...

Bacana mesmo a entrevista, parabéns... E rebolarebolarebolarebolarebolarebolarebola!